terça-feira, 8 de abril de 2008

O XILOFONE

Jamais tive xilofone, embora até onde posso recordar sempre tenha tido vontade de possuir um। Esses dias, pensei e talvez seja uma transferência, que meu filho de oito meses pudesse achar a coisa mais interessante do mundo। Olhava em seus olhos e só interpretava o seguinte: Papai, quero um xilofone. O senhor não vê? Tudo o que uma criança de minha idade precisa é de um instrumento daqueles. Não poderei crescer antes de ter um, dos que têm as teclas coloridas e se parecem com uma escada em perspectiva. Os apelos atingiram os céus. Senti-me o pior pai do mundo ao ver meu pequeno sem um xilofone. A criança sem um desses trambelhos deve ser igual ou próximo a uma casa sem criança. Isso ocorreu no meio da noite, quando todas as lojas do planeta parecem estar fechadas. Mesmo assim, sentei na borda da cama a minha bunda de dorminhoco, passei a mão nos cabelos para aumentar a dramaticidade e berrei: - Onde vou conseguir um xilofone uma hora dessas, porra! A minha mulher, bem mais nova do que eu para o seu azar e nunca tendo se deparado com um maluco no meio da noite gritando uma coisa daquelas, assustou-se. Não tiro sua razão, é coisa de assustar mesmo. Após dobrar o seu corpo fazendo um esforço para sentar, o que não conseguiu e muito menos ficar deitada, esfregando os olhos numa tentativa de permanecer calma, perguntou a única coisa do mundo que se pode perguntar nessa situação. - Um o quê? Eu tinha agora três problemas sérios. Meu filho não possuía um xilofone, a única mulher que tenho não sabia o que era um xilofone e eu não fazia idéia de onde haveria um xilofone para vender aquela hora. Tratei de resolver a questão mais imediata e comecei, com a explicação mais simples que me ocorreu para o caso: - Xilofone é um instrumento musical originário da África do Sul e que foi incorporado nas orquestras ainda no século XIX. É constituído de placas de madeira e se parece com um piano cujo móvel foi quebrado e jogado fora. No Brasil, as teclas de ipê... - Chega. Disse minha mulher aborrecida. Você é um louco. Meu filho não precisa de uma coisa dessas nem agora nem nunca. Quando a vi se assustar, compreendi sua razão, mas não estava ao meu alcance compreender o seu aborrecimento. Ela estava estranha e havia se tornado agressiva, sem motivo aparente ou pelo menos que eu soubesse. Queria argumentar e o melhor que me veio à cabeça foi dizer: - Bem, ele não é só o seu filho. Até onde sei, é nosso. Achei que ao falar assim e com a voz mansa como falei, se não resolvesse, daria para remediar. Não deu e ela gritou mais ou menos na mesma altura em que eu fizera antes. - Pois a minha metade não precisa de um xilofone. Dê à sua. Nunca, mas nunca mesmo imaginei que ela pudesse se sair tão bem. Se eu que sempre me considerei uma pessoa racional não conseguira ser naquela hora, pelo menos no entendimento da minha mulher, como é que ela que sempre tinha sido impetuosa conseguira ser tão lúcida? Não dediquei muito tempo a esta reflexão e voltei a pensar no xilofone. Olhei o meu menino no berço e o vi deitado de bruços como é o seu costume ao dormir. Estava, na realidade, meio de lado. A perna direita que estava para cima, encontrava-se esticada. A esquerda estava dobrada, com a coxa fazendo um ângulo de quase 90º graus com o corpo enquanto a perna guardava um ângulo de 45º com a coxa. O braço esquerdo para trás e o direito flexionado para cima completavam a postura de anjo atleta. Pensei: meu filho dorme, como um anjo voa. Não deixei, contudo, de perceber que estava desolado e certamente seria pela falta do xilofone. Não dormi mais. Esperei sentado na borda da cama pelo amanhecer do dia e minha mulher foi para o outro quarto. O anjo atleta continuou suas excursões pelos ares. Pressenti que sonhava com um xilofone colorido, com uma baqueta em cuja ponta havia uma esfera. O vi pela casa tocando o instrumento Sul Africano com a habilidade exigida para as grandes orquestras, agora com duas baquetas. Após o ritual de higiene que celebrei sem qualidade alguma me vesti e fui ao comércio comprar o que seria a coisa mais fácil do mundo. Uma loja de variedades com enorme seção de brinquedos, chamou a minha atenção. Entrei e fui solicitando logo à primeira vendedora que me apareceu. Pedi como se pede pão ou qualquer coisa comum, do dia-a-dia: - Quero um xilofone, por favor. A funcionária, uma garota de baixa estatura, bem vestida e maquiada com leve exagero, me olhou dos pés a cabeça e sem titubear, perguntou. - Um o quê? Nessa hora veio à minha cabeça a imagem da minha mulher na cama, nem sentada nem deitada, esfregando os olhos e me perguntando a mesma coisa. Lembrei-me que a primeira definição que me ocorrera, mesmo sem saber por que, não fora muito esclarecedora. Improvisei uma segunda. - Parece uma pequena escada com placas de metal coloridas em lugar dos degraus e se toca com um pauzinho com uma bola na ponta. Com olhar esquisito, continuando, a mulher me fixou e disse: - Não, senhor, nós não temos. Naquele momento tive a sensação de que a vendedora me considerara um louco. Depois aceitei que o seu olhar poderia ser apenas o reconhecimento de sua ignorância afinal xilofone é a coisa mais comum do mundo. Entrei numa segunda loja. Ao perguntar pelo tal xilofone o rapaz que me atendeu comprimiu um lábio contra o outro e após relaxar me disse: - Aqui não tem ninguém com esse nome, não senhor. Fiquei desapontado. Nem o nome era conhecido. Confesso que parece mesmo com nome de filósofo Grego, mas de vendedor em loja de brinquedos, não. Insisti. Jamais fui de desistir. Entrei na terceira, na quarta e assim por diante até a vigésima, trigésima e, por fim todas as lojas do centro comercial da cidade. Fui aos modernos shoppings que prometem mundos e fundos e nada. Mas foi na décima quinta que me ocorreu a pior sensação. Quando a vendedora, uma moça simples, mas educada me disse: - Vai ver, senhor, que o tal xilofone saiu de linha. - Quer dizer que deixaram de fabricar, é isso? - Sim, senhor, é possível. Com isso me senti um dinossauro. Chegara o meu período jurássico e eu não dera por conta. Não havia muito e eu vira xilofones por todos os lados. Era impossível imaginar agora que meu filho de oito meses sobrevivesse sem um daqueles trambolhos. Recorri à última esperança, a loja de brinquedos que disseram ser a do momento. A da hora. Revirei-a toda a ponto de me olharem como se fosse um fiscal do estado e mais uma vez, nada. Os xilofones haviam sumido do mapa e pensei. – Como é que todas essas pessoas cresceram sem xilofones? O que devem ter sofrido, meu Deus! A vida de todas elas deve ter sido um inferno. A certa altura, no entanto, vi um ábaco. Julguei que aquela geringonça fosse muitas vezes mais difícil de encontrar do que aquilo que eu procurava. Pensei: vou comprar um bicho desses. Vai que daqui a algum tempo desaparece a exemplo dos xilofones e, caso o meu filho sobreviva à falta do primeiro será devastado pela falta do segundo. Diante do meu vacilo saí novamente à cata do xilofone que procuro até agora. Meu filho convalesce à falta do brinquedo, mas ele mesmo nem desconfia disso. Minha mulher está me tratando melhor, mas ainda me olha atravessado.

1 Comentários:

Blogger Andersummers disse...

Como é difícil encontrar um xilofone?!
Foi procurando que encontrei o seu blog. Parabéns pelo texto!

Meu sonho de hoje é ter um xilofone.

Acho que estou próximo de realizá-lo.

http://www.jogmusic.com.br

Um grande abraço e não desista de encontrá-lo!

12 de outubro de 2011 às 19:56  

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